A Gente Não Quer Só Comida

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Shakes, legumes em pó, suplementos, ração humana e sopas prontas. Saiba qual o impacto de recentes lançamentos da indústria alimentícia nos hábitos à mesa.

Fonte: Jornal de Santa Catarina

A maneira como as pessoas se relacionam com comida está mudando. Ou come-se demais ou come-se de menos. Há informações sobre o crescimento do número de obesos na mesma proporção em que campanhas contra a anorexia são lançadas. A moda das celebridades de Hollywood, por exemplo, é se alimentar à base de sopa de neném industrializada, no café da manhã, no almoço e no jantar. Já os atletas se entopem de líquidos ricos em nutrientes, mas com gosto artificial. Texturas, sabores, consistências e composições diferentes agora fazem parte de um cardápio, à primeira vista, para lá de estranho, feito de itens como ração humana, refrigerantes com vitaminas, legumes em pó, cereais líquidos e até bebidas que embelezam.

– É uma exigência da vida moderna nesses últimos anos – argumenta José Mauro de Moraes, diretor de assuntos regulatórios da Coca-Cola Brasil.

Seja com o apelo de emagrecimento ou de complemento nutricional, o fato é que os produtos, apesar de caros, vendem, e a praticidade é um fator inegável para o sucesso comercial. Afinal, em qualquer lugar é possível preparar um shake, consumir uma sopa pronta ou misturar a ração com a comida. Também é incontestável que alguns desses produtos, devido à adição de fibras, dão a sensação de saciedade, eliminando aquela vontade incontrolável de comer entre as refeições e auxiliando no processo de perda de peso. Mas até que ponto eles são saudáveis?

Os nutricionistas são unânimes: muitos produtos podem ser usados sem problemas, e alguns até com vantagens, mas apenas como complementação de uma dieta equilibrada e de hábitos saudáveis. Não se deve trocar refeições completas pelos chamados substitutos. O uso indiscriminado é condenado, até porque o excesso de nutrientes no organismo pode causar tantos problemas como a falta deles.

Existirá comida em cápsula?

Independentemente da discussão sobre as propriedades nutricionais e os efeitos no organismo, os lançamentos da indústria alimentícia têm um impacto nos hábitos alimentares e nos levam a pensar como serão as refeições no futuro: estaria próximo o dia em que um simples comprimido conterá os mesmos nutrientes que um prato quentinho de arroz, feijão, legumes cozidos no vapor e carne macia? Ou que uma pequena pílula será o suficiente para te deixar saciado, sem fome, saudável e magro?

Especialistas sustentam que a tal cápsula de comida, no entanto, ainda é um sonho – ou pesadelo, dependendo do ponto de vista – distante. O segredo para se beneficiar dos alimentos que mais parecem comida de astronauta sem arriscar a saúde baseia-se na reeducação alimentar, o único modelo eficaz para perder peso gradativamente e suprir o organismo dos nutrientes necessários. O resto é conversa.

Complementa mas não substitui

Enquanto os fabricantes estão otimistas quanto à nova tendência da indústria, os nutricionistas são cautelosos.

– Esses alimentos suplementares não têm todos os nutrientes de que nosso corpo precisa para ser saudável – explica a professora de nutrição Fabiani Beal, da Universidade Católica de Brasília. Não há dúvida de que podem ser bons aliados da dieta, mas não são ricos em substâncias essenciais o suficiente para se equivaler a um bom prato de comida fresca.

Deve-se tomar cuidado, principalmente, com os produtos que prometem substituir refeições inteiras. Pois, apesar de conterem macronutrientes – proteína, carboidrato e lipídio –, eles têm outras carências nutricionais. Os shakes e sopas, por exemplo, não suprem a necessidade dos micronutrientes – vitaminas e minerais. Por isso, não funcionam sozinhos dentro de um cardápio saudável. Os nutricionistas sugerem que sejam usados apenas para complementar uma dieta diária já balanceada.

– Alguns desses produtos até podem ser nutricionalmente equilibrados, mas acredito que o uso deva ser restrito a casos especiais, em que se pretenda uma suplementação ou complementação nutricional – avalia a professora de nutrição Mônica Jorge, da Universidade de São Paulo.

A recomendação é a mesma para complementos e suplementos. Alguns deles têm como base alimentos ricos em nutrientes, mas, para serem industrializados, passaram por transformações químicas. Principalmente os legumes em pó e os vegetais ressecados. No processo, perdem-se fibras, vitaminas hidrossolúveis, como o complexo B e a vitamina C. Essa é uma das razões mais importantes para não se usar exclusivamente esse tipo de alimento em nossa dieta: eles não conseguem fornecer todos os nutrientes que uma comida natural oferece.

O ideal é que esses produtos sejam prescritos para lanches da tarde ou como complemento de alguma refeição em vez de serem usados como almoço ou jantar. Além disso, o uso não é indicado para todos os casos. É preciso avaliar qual é o objetivo da dieta: emagrecimento, ganho de massa muscular ou até para um melhor controle de doenças crônicas, como a hipertensão e a diabetes. Por isso, recomenda-se que eles sejam usados apenas com orientações médicas.

A mastigação é indispensável

Um dos grandes problemas desses alimentos, entretanto, é que a maioria deles é líquido. Isso faz com que não precisem ser mastigados para serem engolidos. Por isso, se usados indiscriminadamente e a longo prazo, podem atrofiar o sistema digestivo de uma pessoa.

– O processo de mastigação é muito importante, pois é nesse momento que nosso estômago libera enzimas e hormônios essenciais para a saúde – alerta a nutricionista Fabiani Beal.

A falta dessas substâncias liberadas durante o processo de digestão pode causar baixa de imunidade. Além disso, o consumo excessivo desses alimentos, devido à consistência líquida, aumenta a incidência de diarreia.

O uso dos suplementos, complementos e substituidores sem acompanhamento pode causar também uma hipervitaminose, ou seja, mais vitamina do que o corpo precisa para funcionar. Como são enriquecidos de nutrientes, provocam um equilíbrio ou desequilíbrio no organismo, tudo depende da quantidade e de quais produtos uma pessoa ingere. Alguém com uma deficiência proteica, por exemplo, precisa ingerir produtos ricos em determinado nutriente, mas não adianta comer proteína em excesso.

Esse quadro pode sobrecarregar os órgãos, principalmente o sistema excretor, afetando mais os rins e o fígado.

– É preciso medir a ingestão de nutrientes no organismo, pois cada um atende a uma necessidade diferente. O papel de um nutricionista é essencial para calcular a deficiência de cada pessoa e indicar a melhor dieta e os melhores produtos – diz o nutricionista clínico Victor Hugo.

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