Olhos arregalam-se, bocas se contorcem, e um refrão de rápidos ‘ahhs.O mescal, a aguardente mexicana mais conhecida nos Estados Unidos pelo verme dentro da garrafa, incinerou a língua, queimou a garganta e começou a fluir a sua lava em direção ao estômago.
Fonte: Adriana Zehbrauskas/The New York Times
Aqui não há ‘shots’: a bebida é bebericada e saboreada, rodopiando pela boca como o mais fino dos vinhos, induzindo à caça por adjetivos altivos.
“Cítrico”, “perfume de mel” e “amadeirado” são as avaliações ouvidas do conjunto de pessoas. Longe de ser uma festa de república de faculdade, é um grupo formado por profissionais em seus 20 ou 30 anos, na maioria, descobrindo os pontos mais refinados da versão artesanal da bebida, em uma recente degustação nessa vila de fazendeiros a duas horas da Cidade do México.
“Esse é o líquido puro”, levanta-se declara para o grupo o senhor Fructuoso García, 84 anos, um dos poucos produtores dessa região. “Nós não adicionamos nada para fortalecer o sabor. Isso não é nada parecido com o que você consegue de uma fábrica”.
García é um dos diversos produtores locais lutando por seu espaço no ‘boom’ dos destilados mexicanos, com o mescal, contra todas as chances, sendo a estrela da vez.
A bebida está saindo um pouco da sombra da tequila, o destilado muito mais popular e, convenhamos, mais suave que ganhou fãs (e ressacas) ao redor do mundo.
Ambas são derivadas do agave, planta nativa do México, e tecnicamente falando, a tequila é um tipo de mescal (embora no México sejam consideradas bebidas bem diferentes, da mesma maneira que champanhe e vinho). Enquanto a tequila é feita de uma variedade específica da fruta da planta e produzida principalmente no estado de Jalisco, o mescal (ou mezcal, como é soletrado no México) é feito a partir de uma classe mais ampla e é frequentemente visto como o primo caipira, da terra, destilado em um processo que data de um século e é distinto do da tequila, e com teor alcoólico geralmente maior do que 45 por cento.
Regiões diferentes possuem suas próprias versões do mescal, mas compartilham um argumento de venda em comum, com o dito popular: “Mescal é bom para todos os males – e todos as coisas boas também”. É um remédio folclórico para resfriados e indigestão. Mas provavelmente é mais conhecido pelo verme engarrafado – um artifício de marketing de algumas das marcas do estado de Oaxaca (alguns usam um escorpião em vez do verme). E, com ou sem verme, a bebida tende a descer como um raio, provavelmente o que importa.
Bares e restaurantes que oferecem mescal, tequila e outras bebidas tradicionais como itens principais – incluindo pulque e sotol, também derivadas do agave – estão surgindo por toda a Cidade do México.
As exportações de mescal (que aumentaram 54 por cento no ano passado) e tequila (aumento de 12 por cento) tiveram um surto, enquanto os distritos formadores de opinião de Nova York, Los Angeles, São Francisco e outras cidades descobrem que existe mais nas bebidas mexicanas do que apenas as margaritas.
Atendendo aos interesses dos turistas, a Cidade do México inaugurou, no quadrilátero histórico do centro, o Museu da Tequila e do Mescal. E navegando na onda desse interesse, o número de marcas de mescal cresceu enormemente, de 28 para 78 desde 2007, segundo o ministério da agricultura do México.
Parte de tudo isso, ocorre por causa do eterno ciclo das coisas do passado tornando-se novamente popular. Mas os mexicanos, particularmente os jovens, também estão engajados num busca de redescobrimento de suas raízes, como reação ao surto de produtos e lojas americanas que têm inundado o país.
“O mescal é parte de nossa identidade, e vale a pena ser preservado”, disse Andrea Bustillos, estudante de história da arte de 25 anos, depois de ter provado aqui diversas variedades da bebida. “Nós temos presenciado um mundo de consumismo. E agora não queremos que tudo seja a mesma coisa”, ela diz.
Fernando Llanos, 34 anos, artista e um dos muitos donos de bares e restaurantes na Cidade do México que organizaram degustações e impulsionaram o mescal ao topo de suas ofertas, diz: “é uma das minhas paixões”.
“Esse é para a minha casa”, diz Llanos, sócio do Lilit – bar e restaurante na Cidade do México – agarrando uma garrafa de mescal artesanal aqui de Zumpahuacán. “Mas vou ver se meu sommelier está interessado em testá-lo no nosso bar. Se nós não apoiarmos as pessoas aqui de nosso país, elas vão se envolver em outras coisas”.
Cornelio Perez, fundador de um grupo chamado Mescales Tradicionales, é o ‘Flautista de Hamelin’ para o mescal artesanal: ele está até mesmo organizando uma campanha para incluir o mescal na lista da Unesco de Patrimônios Intangíveis de Cultura e Humanidade, como aconteceu com a comida tradicional mexicana no segundo semestre do ano passado.
Ele se fecha contra a variedade comercial, que pode até pode levar o selo oficial da junta reguladora nacional mas, em seu ponto de vista, deixa devendo em termos de sabor e autenticidade. A junta certificou para exportação o mescal de sete estados, mas o destilado é produzido em diversos outros estados que plantam o agave, incluindo o Estado do México, ao redor da Cidade do México. Então, para conseguir vender seu mescal, os produtores locais dependem dos operadores de turismo cultural que organizam degustações aqui, transeuntes e donos de bares conhecidos.
Perez diz que ele esperava que os produtores locais não se perdessem no meio dessa mania do mescal. Segundo conta, a proliferação das marcas de tequila levou a uma diluição da qualidade e ele teme que o mesmo possa acontecer ao mescal. “Não quereremos que ocorra a ‘tequilização’ do mescal”, diz.
Ou, como colocam os museus em seus displays sobre o mescal artesanal, enquanto os selos de certificação “ajudam a promover a herança cultural e o desenvolvimento regional, também podem excluir e marginalizar pequenos produtores tradicionais, colocando-os em desvantagem”.
Os produtores tradicionais ainda empregam as técnicas desenvolvidas séculos atrás. A população indígena vem fermentando o agave (popularmente conhecido como maguey) há muito tempo, mas foram os espanhóis que trouxeram as técnicas de destilação que fizeram surgir o mescal, a tequila e outros destilados mexicanos.
Juan Luis Medina, produtor de mescal local, diz que sua família vem produzindo a bebida já gerações. É um processo meticuloso de desenraizar o grande e pesado agave, torrar seu ‘coração’ (conhecido como piña, por sua semelhança com o abacaxi) em covas profundas, moê-lo e fermentá-lo em alambiques de madeira, para finalmente destilar os vapores. É a torra – mescal significa ‘maguey cozido’ no idioma náuatle (asteca) – que traz o sabor defumado.
“Encontrar o mescal em uma casa daqui é como encontrar tortillas; ele está em toda parte”, diz Guadalupe Vazquez Quiros, 23 anos, quarta geração de uma família de ‘mescaleros’, como são conhecidos. Ele deu seu primeiro gole quando tinha 8 anos de idade.
Sua família e outros produtores da região plantam milho, feijões e outras culturas para ajudar nas despesas, mas descobriram que mais pessoas da cidade têm vindo em busca do mescal. No ano passado, a produção no rancho Vazquez aumentou em 30 por cento.
Ele até mesmo coloca um verme (larva de uma mariposa que vive no agave) em algumas garrafas, para satisfazer a expectativa dos turistas. Mas eles contam que nada é mais autêntico do que o mescal fresco destilado no rancho.
“O produto que você encontra nas lojas é a mesma coisa que beber água”, diz José Luis Medina, ‘mescalero’ daqui, oferecendo um copo de plástico que contém o seu produto. “Experimente. Este é o verdadeiro mescal”.
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