Encontro Mesa SP reuniu chefs brasileiros e estrangeiros em debate sobre futuro da gastronomia.
Nem mesmo a presença de um dos mais incensados chefs do mundo, Alain Ducasse, conseguiu ofuscar o glamour do hiper badalado, superassediado e megafotografado chef brasileiro Alex Atalano evento de gastronomia Mesa SP. As estudantes/tietes de gastronomia chegavam a se contentar com fotografias roubadas do chef tatuado, mesmo quando ele nem estava olhando para a máquina fotográfica. Aliás, é importante ressaltar que a participação dos chefs brasileiros presentes à Semana Mesa SP encheu de orgulho e provocou longos aplausos de uma plateia que estava pronta para reverenciar os estrelados chefs franceses, além de espanhóis e também italianos. Mas o que viu foi um grupo de cozinheiros, novos ou mais experientes, em uma brava defesa da nossa cozinha, uma luta pelos produtos nacionais e uma demonstração de que as previsões do chef Ducasse – de que o Brasil será o futuro grande concorrente da França na gastronomia – realmente podem se tornar realidade.
O Congresso Internacional de Gastronomia de São Paulo, com o tema Cozinha Evolutiva das Raízes à Tecnologia – parte da programação da Semana Mesa SP – teve início com uma justa homenagem aos 30 anos da chegada de dois chefs franceses já considerados franco-brasileiros ao país, Claude Troisgrois e Laurent Suadeau. Começava ali a defesa da cozinha de terroir, aquela da terra, com produtos locais, que valoriza o trabalho do produtor, respeita as características dos ingredientes e se utiliza do domínio da técnica no preparo. Em seguida, ocuparam o palco/cozinha chefs de diferentes nacionalidades que mostraram as tendências da cozinha moderna.
Enquanto os chefs franceses optaram por apresentar resultados de técnicas clássicas, Carlo Cracco, chef italiano detentor de duas estrelas Michelin no restaurante que tem seu nome, em Milão, surpreendeu com a técnica de marinar e assar gemas de ovo, dando a elas uma consistência firme a ponto de, ao prensá-las e cortá-las, transformá-las em espaguete. Com excesso de proteína, é claro. O catalão Jordi Roca, do El Celler de Can Roca, preparou três das suas sobremesas baseadas em perfumes, sem demonstrar qualquer incômodo com as críticas disfarçadas à cozinha molecular difundida pelos espanhóis. Causou frisson a sobremesa com formato de charuto, servida sobre um cinzeiro, e em que uma combinação de açúcar e corante negro fazia as vezes da cinza.
O tema cozinha molecular apareceu com a mesma frequência com que foi deixada rapidamente de lado pelos franceses. O crítico mais ferrenho foi Patrick Diethelm, diretor da DCT European Culinary & Pastry, Chocolate Arts Center, que provocou a plateia com o questionamento de se os clientes dos restaurantes realmente querem cozinha molecular. Ressaltou que existem comidas da moda, e algumas que nem são novidades e são apresentadas como tal. Citou como exemplo a cozinha a vácuo, feita há 30 anos, e que certos chefs chegam a lançar livros dizendo ser uma técnica inovadora. Uma inveja branca foi despertada pelo francês David Jobert, que trabalhou no Brasil e atualmente atua no La Cigale Hotel, no Qatar. E a inveja tem razão de ser: sua cozinha tem 160 cozinheiros, 70 confeiteiros e 60 copeiros, além disso pode importar o quiser (carne dos EUA e da Austrália, queijos da França e camarões da Tunísia). O país é rico, as pessoas gostam de comer e pagam bem pelo o que querem comer.
RODRIGO OLIVEIRA E ANA LUIZA TRAJANO
“Quero comprar tucupi com a mesma facilidade que se compra vinagre balsâmico”.
Uma estrutura metálica servia de sustentação para variados cortes de carnes elaboradas em diferentes processos de salga que permitiram que os jovens Rodrigo Oliveira (restaurante Mocotó) e Ana Luiza Trajano (Brasil a Gosto) mostrassem as diferenças das carnes secas produzidas no Brasil. Entre eles, um corte de alcatra salgada pela vó de Ana, uma cearense de 92 anos. Além de explicar as diferentes denominações de acordo com os processos de salga, a dupla defendeu o fim da legislação atual, importada dos americanos, que determina a denominação de jerked beef para a carne curada, salgada e que deve ser industrializada. Rodrigo e Ana defenderam a legalização dos produtos brasileiros, como a carne-de-sol, o queijo feito com leite cru, o tucupi. Eles querem poder mostrar a força dos produtos e da cozinha brasileira sem medo de terem os ingredientes apreendidos.
MARI HIRATA
“É importante valorizar o produto nacional, tratá-lo com respeito”.
Pequenos potes com tampa foram distribuídos ao público que lotava a sala em que a paulista Mari Hirata apresentava as farinhas brasileiras e o preparo de pães com fermento natural. Em cada um deles, duas bolinhas, pedaços do fermento natural que há 17 anos é alimentado pela chef que há 20 anos mora no Japão. O fermento, ao chegar ao Estado de destino de cada participante, deveria ser hidratado e, então, utilizado. Quando o perfume dos pães quentinhos, recém-saídos do forno, invadiu o auditório, a plateia pode finalmente comprovar a qualidade dos pães elaborados com fermento de passas de uva e de figos orgânicos.
HELENA RIZZO
“Vou atrás da vida, se faço é porque vivi”.
O nervosismo declarado em nada prejudicou a apresentação da primeira chef mulher a subir ao palco/cozinha, a gaúcha Helena Rizzo, com o tema Fragmentos do Sul. A jovem chef deu um show de sensibilidade e uniu as lembranças da infância no Rio Grande do Sul a técnicas aprendidas no restaurante do catalão Jordi Roca, presente na plateia. No rosbife em crosta de lapsang sauchon (chá com sabor fumado) com salada morna de batatas, duas referências do passado: o churrasco feito pelo pai e a salada morna de batata, cozida com casca pela mãe, a qual deu um toque moderno com um steak tartar. A sobremesa – uma releitura da torta de maçã que povoa suas recordações do tempo de criança – mesclou uma delicada massa com açúcar mascavo, bolinhas de maçã flambada com Calvados, caramelo com suco de maçã (que lembra o puxa-puxa vendido à beira do litoral gaúcho), nozes pecans (como as do quintal da casa da vó) e um sorbet de maçã. Uma mostra de por que a chef está em alta no cenário nacional: ela mescla memórias com tecnologia, paixão com técnica.
IVO FARIA
“Quando eu tinha 19 anos, dizia que era auxiliar de escritório, porque cozinha era trabalho de mulher. Agora, cozinheiro é profissão de ponta”.
Um defensor da cozinha mineira, aquela cujos ingredientes estão no quintal de casa, Ivo Faria está preocupado com o fato de os brasileiros não preservarem os produtos do passado. Ele acredita que é preciso conhecer os ingredientes regionais, entendê-los e manter vivo o seu consumo. A experiência dos tempos de criança na roça é a base para a utilização das técnicas clássicas e a leitura moderna que faz no restaurante que há 10 anos lhe rende o título de melhor casa e melhor chef em Belo Horizonte. A panturilha de porco com umbigo de bananeira, o carpaccio de jiló e o jiló recheado foram as receitas com as quais o chef demonstrou parte de sua luta em defesa das cozinhas regionais brasileiras.
ROBERTA SUDBRACK
“A cozinha brasileira está vivando um momento fantástico: feita com afetividade, com emoção e com a união de seus cozinheiros”.
Mais uma chef gaúcha que conquistou a mesa brasileira e os palcos internacionais, Roberta Sudbrack é persistente e passional, mas no bom sentido. O que justifica a dedicação aos estudos sobre o quiabo, o maxixe e tantos outros ingredientes nacionais. O projeto desenvolvido com sua equipe volta uma atenção especial para um ingrediente bem brasileiro durante todo um ano. O objetivo é conhecer melhor o produto e tirar dele o máximo de sabor.
Fonte: Zero Hora